Bom de contas e botânico amador, proclamando-se com convicção, orgulho e garbo, benfiquista católico — não lhe basta uma religião —, António Bagão Félix, por quem mantenho antiga admiração crítica, parece homem de refinada sensibilidade visual e olfactiva, como se infere, por exemplo, destas sinestésicas e extasiantes "Cores e fragrâncias…" no Público de 19.Mai.2017.
Revejo-me genericamente e gosto muito da crónica de Bagão Félix, "Tempos e silêncios", no Público de ontem:
«Há uns tempos, tive a oportunidade de ler um interessante texto de um editorialista italiano do Corriere della Sera, Beppe Severgnini sobre a crise – que eu diria estrutural – do modo verbal conjuntivo. Escreveu ele que o conjuntivo está moribundo. Não se trata, porém, de nenhum assassinato linguístico, de um suicídio premeditado ou induzido, ou de uma eutanásia idiomática. Trata-se, sobretudo, da desconsideração das ideias de dúvida, de incerteza ou de humildade (ou de todas em conjunto).
[…]
Estamos vivendo uma avalanche de pseudo-hegemonia dos factos (mesmo que não o sejam…). É a primazia crescente sobre a filosofia, a hermenêutica e sobre a necessidade de compreender as coisas. Mas é, de igual modo, uma expressão deste tempo onde quase tudo é efémero, virtual, rápido, descartável, ligeiro, superficial, inútil, supérfluo.
Pouca gente julga, considera, crê ou pensa. Muita gente sabe, transmite, comunica, tem a certeza.
[…]
Hoje quem se arrisca a usar o conjuntivo ou o condicional, corre o sério risco de ser visto como uma pessoa insegura. “Creio que seja deste modo”, “quem seria aquela pessoa?” cansam os mais convencidos que retorquirão “oh homem, deixa-te de creio e parece. As coisas são ou não são, ponto final”. […]»
Só não gosto mais do texto por causa do horrendo «assassinato»; linguístico, pois. Não que os dicionários o não acolham, mas caramba!, tendo ao dispor a incomparável eufonia de «assassínio», para não falar do apuro etimológico, por que estranho e inesperado desfalecimento do gosto este devoto activo da língua portuguesa — terceira religião? — resvala para tamanha e escusável feiura?
Ó Plúvio, frena-me essa disenteria adjectivante, porra!
Pensando melhor, acho que sei. Muito recomendável de olhos e de nariz, Bagão Félix não é a primeira vez, afinal, que indicia percepção defeituosa nos tímpanos. Lembremo-nos do Pedro Barroso.
Será por isso: diz «assassinato» e soa-lhe bem.