Não sei se em qualquer outro canto do mundo se passa o que vejo em Portugal: por conta da pandemia, o presidente da República concertado com o primeiro-ministro, de há três meses para cá, hora a hora, dia a dia, em permanente, pornográfica e insultuosa propaganda, a tentarem vender, não se sabe bem a quem, sabonetes rascas de pífia, ridícula e autocongratulatória fanfarronice nacional, o tal "milagre português".
Ante tanta incerteza, tantas dúvidas e, já à vista de todos, tamanho pesadelo social, não deveriam — quem nos governa ou representa — ser mais prudentes, severos e comedidos, sem prejuízo de fomento honesto do optimismo?
O foguetório presidencial, governamental, municipal e desportivo de anteontem é das coisas mais patéticas e pernósticas que testemunhei em 67 anos de vida. Quase a dar-me saudades da contenção espartana do almirante Tomaz..., Esta é a primeira vez que aqui estou desde a última em que cá estive.
Oxalá me engane, mas a farronca talvez venha a sair cara.
É em tal quadro que escutei, repugnado*, algumas afirmações de António Costa, primeiro-ministro de Portugal, ao início da tarde de hoje. Feira saloia de sobranceria e desdém pelos outros.
Jornalista- Vai convencer esses países a que recuem nestas medidas de restrição?
AC- «Vâmv, para ser sincero, não tou muito preocupado com isso. [...]»
...
AC- «[...] Eu, para ser sincero, o conselho que dou aos portugueses é que façam férias em Portugal. [...]»
Quando um político diz coisas como «Eu, para ser sincero...», disparam-se-me na cornadura todos os alarmes de reserva. Caso para que especulemos acerca do que urde o pensamento de António Costa quando não nos previne de que está a dizer sinceramente o que pensa. Mas para esse peditório já me cansei de dar. Por exemplo, aqui.
Graça Freitas, directora-geral da Saúde, esta tarde:
«E portanto, o que a senhora ministra diz é completamente verdade.»
Ainda bem que no-lo afiança.
«Cerca de 90 casos positivos entre os que tiveram na festa, e entre os que não tiveram na festa e que foram infectados pelos que tiveram na festa.»
Testes à Covid-19 efectuados em Portugal.
À data de hoje, 1.047.109 - 102.682 por milhão de habitantes.
Somos dos que mais testam, não se cansa Costa de alardear. Ainda assim, permita-se-me, profano pouco entendido nestas coisas, que pergunte: Quantas pessoas foram de facto abrangidas por este milhão e tal de testes? Sabe-se de múltipla gente — na saúde, nos socorros, na segurança, nos lares, no desporto ... — que foi e é testada n vezes; só o arlequim, hipocondríaco contumaz, tê-lo-á sido mais de mil... Porque não dizem quantas pessoas foram testadas?
Não haverá no cagaçal contundente de testes que nos atiram diariamente à cara um ilusionismo falacioso?
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* Bem sei, «discurso repugnante» era o do outro.