domingo, 11 de abril de 2021

José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, príncipe impoluto

Lisboa, sexta-feira, 09.Abr.2021
Pelas 18H10, à saída de um veredicto que acabara de caracterizá-lo como o último cidadão em que se pode confiar, o principal arguido do processo da "Operação Marquês", entre 19 compatriotas de probidade cívica e bondade filantrópica blindadas acima de qualquer suspeita, avançou ufano e triunfante para as câmaras de todas as televisões de Portugal.
Trafulha contumaz, mitómano, medularmente impedido de distinguir mentira de verdade, excelsitude da Filosofia, narcisista encadeado no virtuoso esplendor de si mesmo, aldrabão quem sabe se vitimado por prístino complexo de inferioridade do tamanho dos Himalaias*, o príncipe impoluto falou e disse: 

➭ «Todas as grandes mentiras da acusação hoje caíram.
A acusação da fortuna escondida é uma mentira,
a acusação da corrupção é mentira,
a acusação de uma ligação com Ricardo Salgado é completamente mentira.
[...] Tudo isso acabou, não ficou sobre isso nada de pé, tudo isso ruiu. Finalmente, o juiz decide levar-me a julgamento por três crimes de branqueamento. [Que modéstia, sr. engenheiro!, nem parece seu. Seis crimes, sr. engenheiro, seis, se não se importa: três crimes de branqueamento de capitais + três crimes de falsificação de documentos.] Ora, eu quero dizer em primeiro lugar que isso não é verdade e que me vou defender desses crimes, não sei se em recurso**, se em tribunal, mas vou defender-me.» - 18h10 

➭ «O juiz Ivo Rosa levanta dúvidas sobre a questão dos empréstimos. Chega à conclusão de que há indícios que podem contrariar aquilo que eu digo, mas aquilo que eu digo é a verdade.» - 18h11  

➭ «No momento em que o processo Marquês chegou ao Tribunal Central de Investigação Criminal, a sua distribuição foi manipulada, a sua distribuição foi viciada. [...] Alguém cometeu um crime, resta saber agora quem. É claro que eu não confio no Ministério Público para investigar esse crime.***» - 18h13  

➭ «Difamaram durante sete anos um inocente. [...] Todas essas mentiras eram falsidades.» - 18h14  

➭ «Todas as grandes mentiras contadas aos portugueses em sete anos [...] são falsas. [...] A questão da fortuna escondida, isso é falso.» - 18h16 

➭ «Relativamente aos empréstimos, o juiz achou que há indícios para me levar a julgamento. Eu vou-me defender disso, não sei se em julgamento se em recurso.**» - 18h18 

Jornalista-  Há aqui uma factualidade nestas transferências de um milhão e setecentos mil euros dos quais acabou por beneficiar...
JS-  Não, eu não, eu não beneficiei. Não, não, não, eu não beneficiei, isso não é verdade.» - 18h35  

A seguir, o príncipe impoluto rumou à esplanada, sentando-se a uma mesa a confraternizar com quatro sujeitos do seu staff em violação flagrante do artigo 25.º, n.º 2, alínea c), do Decreto n.º 6/2021, de 3 de Abril:
Sócrates na esplanada  [1];

«Não perdem pela demora. Eu ontem fui ao Campus da (sic) Justiça justamente para que todos saibam, e principalmente esses que me insultam já há sete anos, saibam que eu vou defender-me, que eu vou responder.»
Jornalista- Consegue-nos dizer quem é que está por trás desta campanha?
JS- Consigo e terei o maior gosto em falar disso, mas quando chegar o momento, não agora.»
Acho este o anúncio mais espantoso de José Sócrates nos últimos sete anos. Estranho não ver ninguém a valorizá-lo como deveria. Embora preveja que quando, ou se, JS revelar o nome do grande patife, logo haveremos de perceber tratar-se de uma qualquer personagem ectoplásmica do universo da verdade alternativa em que parece habitar.

Por fim, donde brota o júbilo celebrativo desta gente,  desta gente,  desta gente?
Como são possíveis o contentamento e o alívio perante o medonho retrato judicial, provisório****, do antigo primeiro-ministro, pronunciado por seis crimes, que emerge deste despacho? Como é possível continuar-se a admirar e a louvar tão persistente e devotadamente a pessoa de José Sócrates? Que críptica e bizarra concepção tem esta gente — e, referindo-me a Valupi e sequazes, do Aspirina Ba Manuel Gomes, e apaniguados, do Estátua de Sal, ou à senhora e sua corte de bajuladores, do Um Jeito Manso,  não estou a falar propriamente de desprovidos e desabrigados da inteligência e da cultura — do escrúpulo? Intriga-me deveras a noção que esta gente tem de asseio, a ideia que esta gente tem de integridade ou de honestidade [Valupi diz sempre "honestidade intelectual", como se houvesse várias], o valor que esta gente dá à palavra. Pela relativa consideração em que as tenho e pela atenção assídua que lhes presto, quero pensar que o mal destas pessoas seja o de lerem pouco e ouvirem mal. A menos que sejam da família ou José Sócrates, perdão, Carlos Santos Silva, lhes pague: a família desculpa tudo, o dinheiro manda em quase tudo.  
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* Este príncipe impoluto, militante juvenil do PSD, admirador de Berlusconi, iniciou aos 23 anos, na V legislatura, a sua vida parlamentar avençada pelo PS. Pouco demorou [1987>1992] até à mescambilha das habilitações que foi declarando e emendando. Já então a compulsiva necessidade de aldrabar e insuflar o pedigree denunciava, a meu ver, um problema idiossincrático muito sério... Nos 30 anos subsequentes, foi o que temos visto.
Por mim, repetindo-me com alguma vergonha, levei demasiado tempo a perceber o bicho. Votei em José Sócrates em 2005, em 2009 e em 2011, várias vezes enalteci aqui o governante que ele foi; também eu me deixei encantar, desde 2001, pela determinação e pelo ímpeto reformador de que Maria João Avillez, com quem não simpatizo, falava anteontem na televisão. Era o tempo em que, ingénuo e mal informado, eu achava, por exemplo, Fernanda Câncio jornalista íntegra e honesta. 

** Espera-se que Pedro Delille tenha entretanto explicado ao seu constituinte que a decisão instrutória não é recorrível por parte do arguido que a requereu.

*** Tem bom remédio: apele à procuradoria de Marte.

**** Sim, retrato provisório. O Ministério Público interporá recurso e, pela reversão frequente nas instâncias superiores de decisões do juiz Ivo Rosa, palpita-me que o entusiasmo destes adoradores de Sócrates pertencerá ao domínio nosológico da ejaculação precoce...
Mulher do brinco- «Isto agora vai para a Relação. Está toda a gente à espera de que a Relação seja o Cristo Redentor. A Relação só vai ver a matéria de direito. E portanto, a matéria de facto acabou!»
Posaconazol- «Aleluia!»
Mulher do brinco- «O que não ficou provado não ficou provado! E portanto, essa esperança no Tribunal da Relação não faz assim tanto sentido. A Relação não vai apreciar a matéria de facto.»

A jornalista veteraníssima Clara Ferreira Alves é paga para dizer coisas na SIC Notícias. No meu caso, pago à EDP e à MEO para a escutar.
Assim, a quem podemos pedir ressarcimento pelo condensado de disparates e informação gravemente enganosa que esta licenciada em Direito pela Universidade de Coimbra, secundada por um licenciado em Direito pela Universidade Católica, proferiu pelas 23h17 de ontem?***** 
Vide artigos 307.º e 308.º, e sobretudo 410.º, n.º 1, do Código de Processo Penal

***** Implacáveis na argumentação e impiedosos na ironia, venha quem vier, doa a quem doer.
Vendo melhor, talvez seja imprudente metermo-nos com esta tropa.