«O modo como
a Assembleia da República está a fugir de tomar posições é bem revelado no modo
como se empurrou para o eterno e adiado futuro a decisão sobre o Acordo
Ortográfico. Percebe-se que a opinião dos deputados não conta para nada, mesmo
havendo uma possível maioria contra o Acordo, e que apenas a força do impasse
político internacional, transformada em inércia, mantém as coisas como estão.
Ou seja, a língua portuguesa continua a estragar-se todos os dias, apenas
porque ninguém quer saber disso nas elites políticas, nem tem coragem de dizer
sim ou não. Ou não quer defrontar os interesses que explicam a manutenção de um
acordo moribundo, mas deixado apodrecer no meio das palavras de uma velha
língua que infecta e gangrena. Estamos assim.»
- x -
«Esta semana, no meio de uma embrulhada confusão de razões, contra-razões e subtilezas pouco subtis, saltitando de argumentos e de posições que não lembrariam ao Diabo, pior, que não lembrariam aos engendradores do Acordo Ortográfico, ficou-se a perceber uma coisa que digo já qual é. Mas antes, seja-me permitida uma sugestão: a de que futuros negociadores do mesmo instrumento, deputados ou não, académicos ou professores, editores, tradutores ou revisores de provas, sejam reciclados através de um curso intensivo de gramática da língua portuguesa, como condição essencial para integrarem esse grupo.
[…]
não se percebe esta situação a que se chegou de
criação e aplicação de três grafias diferentes, agora com uma posição
edulcorada do nosso Parlamento que também não vai levar longe e que não cria
condições para uma revisão multilateral das regras-quadro que permitiriam a sua
aplicação, nem do autêntico chorrilho de asneiras que viola mesmo o preceituado
nesse instrumento internacional.
[…]
Infelizmente é a uma situação de surrealismo
delirante que se está a chegar. A língua está a ser destruída. Não conheço hoje
muitos políticos que sejam a favor disso. Se falarmos de outros utentes
qualificados, também não, salvas as excepções menores do costume e as
propensões para a cedência do costume.
[…]
Realmente, como na salada dos pais do imortal
Basílio, o acordo foi mexido por uns cegos e temperado por uns loucos...»
Vasco Graça Moura, "Omnes discrepantes" | DN, 05.Mar.2014
- x -
«[…]
Já passou
pela mão de todos os deputados e governantes uma lista impressionante de nomes
de escritores, professores, académicos ou jornalistas — os que usam a língua
profissionalmente — que não deixa
qualquer dúvida de que apenas uma minoria, e já sem quaisquer argumentos
válidos, continua a sustentar este crime. […] Há, pois, quaquer coisa de
misterioso e estranho por trás da teimosia de governantes e deputados, de todos
os partidos, em não ceder aos constantes apelos que de todos os lados recebem.
[…] É nesta alturas, e como último recurso, que eu gostava de ter um Presidente
da República que, no uso da sua função de garante da independência nacional (de
que a preservação da língua é parte indissociável), puxasse do artigo 120.º da Constituição e matasse de vez esta vergonha. Mas, infelizmente, também não é o
caso.»
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A despropósito,
«[…]
Filmes como 2001: Odisseia no Espaço de Kubrick estão vivos não por causa dos efeitos especiais, mas porque tinham personagens como o computador Hal 9000, cuja "morte" é uma das melhores cenas do cinema de sempre.
[…]»
JPP, "Por que razão Gravidade é considerado um bom filme?" | ibidem