«[...]
Em média, o tempo de trabalho é hoje superior ao
que vigorava no século XIX. Todas as utopias que prometiam uma sociedade do
lazer e viam no progresso tecnológico um meio que nos libertaria do trabalho
foram desmentidas. Pior do que isso: a evolução e a multiplicação dos
utensílios, em vez de serem factores de libertação, dilataram o tempo de
trabalho e elevaram à máxima potência a lógica económica que se realiza na
corrida pelo aumento da produção e do lucro. Evidentemente, isso só foi
possível pondo em prática métodos de gestão que submetem, controlam, pressionam
e induzem a uma competição que quebra solidariedades e cria delatores. Veja-se,
aliás, como o apelo governamental à delação — algo que outrora seria
considerado abjecto — começa a generalizar-se. O burn-out consiste em ultrapassar o
limiar da resistência a uma adaptação violenta, coerciva, que, no limite, exige
dos empregados que eles sejam “empreendedores” e, até, que os artistas se
inclinem perante os códigos e as prerrogativas das indústrias culturais.
Adaptação e flexibilidade são os nomes da actual ideologia do trabalho e da
produção.
[...] a regra em que vivemos: os hospitais estão
cheios de médicos doentes; as escolas estão cheias de professores que temem
mais as aulas e a avaliação a que estão submetidos do que os alunos que ensinam
e avaliam; os guardas das prisões estão tão encarcerados como os detidos que
vigiam. Não há exterior ao tempo de trabalho. E, imersos em tudo isto, aqueles
que dizem combater o capitalismo, ou pelo menos as suas lógicas mais nefastas,
não fazem senão exaltar o trabalho e fixar as formas de vida que ele implica.
[...]»