sexta-feira, 7 de março de 2014

Manuel Alegre à direita. E Herberto Helder?

«A propósito de um texto aqui publicado na semana passada, […] um amigo arguto e bem treinado nas coisas da política e da literatura lançou-me um desafio: “Usando o mesmo critério de classificação, não será a concepção do poeta de Herberto Helder, do lado da magia e do xamanismo, tão de direita como o vate de Manuel Alegre?”.
[…]
Todas as ilusões alegrianas do poeta como guia e das valentias poéticas desembocam em teorias neo-clássicas. Daí, a queda na poetização e na romantização da política, onde reconhecemos também a cultura da direita tradicional, fundada na cultura de um pseudoenraizamento mítico. E temos de sublinhar: é sempre pseudo, porque se trata de uma apropriação fraudulenta e de uma manipulação do mito genuíno.
Em Herberto Helder, estamos noutro lugar completamente diferente. E é errado fazer dele o retrato de um poeta em fuga num Olimpo, não propriamente a tocar harpa, mas outro instrumento menos melodioso. Herberto experimentou quase com uma consciência trágica o que é o desencantamento do mundo e percebeu muito bem que a poesia, num universo completamente secularizado, tem de ser conquistada através de um gesto grandioso. Essa conquista implica a concepção de que há um território do “sagrado”, da “experiência interior” (no sentido de Bataille), que, por mais escondido que esteja, é o lugar a que a poesia deve aceder. Esse lugar é o do “terror” e não conhece nenhuma beleza daquelas de que os neoclassicismos, poetizações, romantizações e estetizações, à maneira da cultura de direita, tanto gostam. Herberto Helder, penetrando num território não secularizado, não coincidente com as temporalizações da história, conduz-nos à relação entre mito e poesia. Pelo contrário, em Manuel Alegre não temos senão as mitologias do poeta e da poesia — à semelhança da cultura de direita que pretende sempre transformar a história em mito.
[…]»