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O que
significa dizer que daqui a 200 anos já não haverá portugueses? Que o território
nacional está despovoado (hipótese absurda, apenas verificável se as fronteiras
fossem fechadas por uma polícia fanática e suicida) ou que o “sangue” que por
aqui corre pertencerá a outras “linhagens”, que queremos excluir da pertença a
uma cidadania portuguesa? Mas, afinal, a linhagem actual tem algo de “próprio”
que está ameaçado de degeneração?
[…]
Ainda na
semana passada ficámos a saber que a um casal português, em Inglaterra, foram retirados os seus cinco filhos por “risco futuro de dano emocional”. É certo
que não conhecemos a situação para avaliar convenientemente. Mas o argumento baseado
no “risco futuro” para separar coercivamente
cinco crianças e instalá-las em internatos e famílias de acolhimento mostra até
que ponto o Estado já não se limita a intervir sobre o “como” da
vida, sobre a maneira de viver, mas vai mais longe: apodera-se de toda a vida.
Não é que os filhos não devam ser protegidos das sevícias que os pais sobre
eles eventualmente exerçam. Mas, uma vez caídos nas garras do Estado, eles
ficam submetidos, sem protecção, à pior das sevícias. Os esquemas biopolíticos
de intervenção sobre a vida e a realidade populacional não estão, porém,
desligados de um fenómeno de abstractização generalizada que tanto se aplica à
monetarização e financeirização da economia como ao nascimento de crianças.
[…]
As
regressões dos nascimentos são como as regressões da poesia: dão-se quando se extingue
um território de crenças e de sentimentos. É a este território que devemos
atribuir a razão pela qual, nas sociedades ocidentais, a natalidade entrou em
regressão, e não a critérios exclusivamente materiais.»