“Pastoral Portuguesa”
quinta-feira, 13 de março de 2014
Rogério Casanova
- ‘Possuídos pelo amor da
sobrevalorização'
«[…]
A opinião moderada é rara e ouve-se quase sempre em contacto pessoal.
Quase ninguém sente a urgência de expressar os seus sentimentos numa plataforma
pública quando os sentimentos se resumem a achar que uma canção é razoável, ou
que um romance é assim-assim. Como as opiniões moderadas são, à partida,
excluídas do debate, este tende a ser orientado por duelos correctivos e
reacções de pânico hierárquico. Se a resposta a um livro for vagamente positiva
e se encontram três respostas violentamente negativas, o impulso é calibrar a
opinião original para um nível mais drástico, mais não seja para neutralizar os
excessos opostos.
[…]
tudo isto é um processo longo e contínuo,
porque a derradeira correcção de valor é feita pelo tempo.
[…]
A sobrevalorização existe, mas é extremamente sobrevalorizada.»
Qual é a melhor maneira, assim em termos literários, de calçar um par
de meias? Há algum bom livro sobre o tema? - Jaime
«Caro Jaime,
[…]
O problema é que o aparentemente elegante método do pré-amarfanhamento +
deslize telescópico reduz as probabilidades de desalojar quaisquer partículas
de sujidade incrustadas na sola do pé durante a caminhada entre a casa de banho
e o quarto, sobre o chão que as badalhocas das pessoas nunca aspiram
devidamente (o que é todo um outro problema).
[…]
Quanto a um livro sobre o assunto, recomendo o extraordinário The Mezzanine, de Nicholson Baker (infelizmente, creio, sem
tradução portuguesa), que apresenta toda a reflexão anterior de forma muito
mais eloquente.»
«Muito embora a história da literatura de terror não exiba propriamente
uma colossal colecção de obras-primas, quando uma história de terror é eficaz,
é também sempre muito mais do que uma eficaz história de terror. Aqui está uma
bibliografia essencial.
[…]
susto, repulsa, inquietação metafísica. […]
O primeiro e o segundo registos são os mais fáceis de alcançar,
dependendo apenas do estímulo das extremidades nervosas para provocar reacções
instintivas e viscerais. O terceiro é mais complicado: porque funciona ao
retardador, porque depende da colaboração de outras faculdades, porque é
obrigado a universalizar com precisão um temor, ao mesmo tempo que o faz
colidir com sensibilidades individuais. Quando uma sequência de caracteres
numa página consegue os três efeitos, alguém, algures, está de parabéns.
[…]
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