quinta-feira, 13 de março de 2014

Rogério Casanova


Pastoral Portuguesa

- ‘Possuídos pelo amor da sobrevalorização'

«[…]

A opinião moderada é rara e ouve-se quase sempre em contacto pessoal. Quase ninguém sente a urgência de expressar os seus sentimentos numa plataforma pública quando os sentimentos se resumem a achar que uma canção é razoável, ou que um romance é assim-assim. Como as opiniões moderadas são, à partida, excluídas do debate, este tende a ser orientado por duelos correctivos e reacções de pânico hierárquico. Se a resposta a um livro for vagamente positiva e se encontram três respostas violentamente negativas, o impulso é calibrar a opinião original para um nível mais drástico, mais não seja para neutralizar os excessos opostos.

[…]

A acusação mais conhecida (e bem-sucedida) contra um romance sobrevalorizado aconteceu nos Estados Unidos em 1957, quando By Love Possessed foi publicado perante uma orgia de aclamação: vendeu meio milhão de exemplares em poucas semanas e os mais conhecidos críticos americanos formaram filas ordeiras para o elogiar como um marco na história da literatura.

[…]

tudo isto é um processo longo e contínuo, porque a derradeira correcção de valor é feita pelo tempo.

[…]

A sobrevalorização existe, mas é extremamente sobrevalorizada.»


Acusam-me de sobrevalorizar Rogério Casanova. Não têm razão.


- ‘Consultório literário’

Qual é a melhor maneira, assim em termos literários, de calçar um par de meias? Há algum bom livro sobre o tema? - Jaime

«Caro Jaime,

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O problema é que o aparentemente elegante método do pré-amarfanhamento + deslize telescópico reduz as probabilidades de desalojar quaisquer partículas de sujidade incrustadas na sola do pé durante a caminhada entre a casa de banho e o quarto, sobre o chão que as badalhocas das pessoas nunca aspiram devidamente (o que é todo um outro problema).

[…]

Quanto a um livro sobre o assunto, recomendo o extraordinário The Mezzanine, de Nicholson Baker (infelizmente, creio, sem tradução portuguesa), que apresenta toda a reflexão anterior de forma muito mais eloquente.»


Breve história pessoal do horror

«Muito embora a história da literatura de terror não exiba propriamente uma colossal colecção de obras-primas, quando uma história de terror é eficaz, é também sempre muito mais do que uma eficaz história de terror. Aqui está uma bibliografia essencial.

[…]

susto, repulsa, inquietação metafísica. […]

O primeiro e o segundo registos são os mais fáceis de alcançar, dependendo apenas do estímulo das extremidades nervosas para provocar reacções instintivas e viscerais. O terceiro é mais complicado: porque funciona ao retardador, porque depende da colaboração de outras faculdades, porque é obrigado a universalizar com precisão um temor, ao mesmo tempo que o faz colidir com sensibilidades individuais. Quando uma sequência de caracteres numa página consegue os três efeitos, alguém, algures, está de parabéns.

[…]

Dos últimos cem anos, aqui ficam dez exemplos do que acontece quando as coisas correm bem.

[…]»