domingo, 4 de março de 2012

Acordo Ortográfico [53]

«O senhor professor doutor (de Coimbra, Deus magnânimo e todo poderoso!) Carlos Reis, uma das sumidades enigmáticas que conspiraram o Acordo Ortográfico, protestou veementemente as recentes declarações do secretário de Estado da Cultura, segundo o qual cada cidadão é livre de seguir ou não as regras do dito Acordo, aliás susceptível a "ajustamentos" até 2015.Assim de repente, o único ajustamento que me perece adequado seria a anulação de tamanha vergonha. Quanto ao livre-arbítrio, não preciso que o Francisco José Viegas, que de resto muito estimo, me conceda autorização para escrever a língua que aprendi e não a mistela apátrida agora implantada.Naturalmente, o prof. Reis discorda, quer da liberdade, quer dos ajustamentos. O sábio acha absurdo que se profane o português de "forma unilateral e casuística", excepto, claro, quando semelhante forma está do lado dele e o português em causa é a desgraça que ele ajudou a criar. Conheço poucos processos tão unilaterais quanto o AO, não só porque alguns dos países envolvidos se recusam a aplicá-lo, mas sobretudo porque se trata de uma invenção de emproados com demasiado tempo livre e de uma imposição política e postiça. Quanto à "casuística", julgo que a palavra ainda designa o tratamento de um assunto através de subtilezas e artifícios, a definição perfeita dos meandros do AO, uma fraude erguida pelos autores a missão das suas vidas. Há vidas tristes, uma tristeza que deveríamos lamentar mas não expiar.»
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«É bom quando isto acontece: o país discute a sua Língua.
[…] convém sublinhar a importância de reunir e integrar diferentes contributos que visem a melhoria das bases que sustentam o AO. Esse trabalho compete aos estudiosos e investigadores e não, em circunstância alguma, ao poder político*.
[…] O poder político não porá em causa esse esforço* que visa a afirmação de uma identidade ortográfica comum entre os países unidos pela língua portuguesa.
[…]
Não se trata, ao contrário do que supõem algumas vozes pouco familiarizadas com o debate (ou que fazem dele motivo de escândalo), de pôr em causa o AO; trata-se, isso sim, de incorporar sugestões e melhorias ao corpo dessa reforma negociada entre os vários países subscritores. As minhas declarações sobre o assunto (e sou insuspeito, como autor da primeira coluna diária da imprensa portuguesa conforme às regras do AO) vieram nesse sentido. É claro que eventuais alterações muito pontuais não podem ser definidas unilateralmente, mas no contexto multinacional de que o AO resulta. Seria absurdo que não se conseguisse esse consenso quando se trata do nosso idioma, um bem inestimável que identifica milhões de falantes e que pode abrir as portas a um maior entendimento entre eles.»
Francisco José Viegas, secretário de Estado da Cultura, “Valorizar o Acordo Ortográfico” | Expresso, 03.Mar.2012

* O contorcionismo a que um político se vê forçado, santo Deus. Como se o esforço de incrementação do disparate, em má hora embrionado e em pior parido, não tivesse sido sempre uma mal informada obstinação do poder político, primeiro - mata! - do PSD, depois - esfola! - do PS.