«[…] Enquanto houver conversas sobre adopções, feiras de enchidos, convenções de columbófilos e futebol, há a prova de que o País mantém um esboço de normalidade.
Assim, aproveito a oportunidade para declarar aqui o meu sincero apoio à adopção por homossexuais, à fecundação de homossexuais e, dê lá por onde der, à procriação entre homossexuais. Aproveito também para acrescentar diversas maleitas sociais que urge corrigir antes que a penúria absoluta nos reduza à mera luta pela subsistência.
Certos deputados parecem dedicar a função exclusivamente às questões de "género". Estou com eles, mas acrescento outro género de questões cuja resolução é essencial a uma sociedade mais livre, justa, democrática e progressista. Falo, claro, das coisas que me aborrecem, as quais, só por existirem, constituem uma violação grave dos meus direitos, uma agressão à minoria formada por mim próprio e uma discriminação intolerável da minha pessoa humana (a desumana está trancada na cave). Seguem-se alguns exemplos.
Gente parada em escadas ou tapetes rolantes sem compreender que estes são um auxílio à locomoção, não um convite à imobilidade radical. Adultos que se vestem como crianças mal vestidas, para cúmulo com T-shirt dotada de frase espirituosa. "Artistas" sem talento nem serventia que fazem questão de me informar dos "projectos" que têm "em mente". Sujeitos que demoram sete minutos e meio a girar o copo de vinho, na esperança de convencer os restantes comensais de que são escanções eméritos ou de me fulminar de embaraço. A imensa quantidade de cidadãos que, à revelia de qualquer lei, substituiu o verbo "estar" pelo verbo "ter" *. Aguardo subida dos temas em causa à AR e, dadas as previsões para a economia, peço especial rapidez.»
Alberto Gonçalves, “Discutir o que importa” | revista Sábado, 01.Mar.2012______________________
* Terá AG querido dizer "tar"?...