«O Acordo Ortográfico, assinado em 1990 por Portugal, Brasil e os países africanos de língua oficial portuguesa e a que Timor-Leste aderiu em 2004, tem concitado, desde o início, e agora ainda mais, críticas e ataques de grande intensidade. Não sendo filólogo, não me cabe pronunciar sobre o seu rigor científico, embora não concorde com algumas das soluções e saiba que os próprios filólogos se acham divididos.
[…]
torna-se imperioso reagir contra os atropelos que [a língua portuguesa] vem sofrendo, entre os quais:
- discursos de altas figuras do Estado, no exercício dessas funções, em língua estrangeira;
- subalternização da língua portuguesa em reuniões e em atos da União Europeia;
- ensino em escolas públicas por professores portugueses para alunos portugueses em inglês (coisa diferente são os cursos por professores estrangeiros);
- a internacionalização das nossas universidades é bem necessária e conveniente, mas internacionalização não pode significar desnacionalização;
- reuniões até de conselhos científicos dessas escolas, que são órgãos da Administração Pública, sem se usar o português;
- ofícios de serviços do Estado sem ser em português;
- relativa frequência com que as conservatórias do registo civil aceitam nomes próprios de outras línguas;
- alastramento das denominações comerciais de empresas portuguesas operando em Portugal em inglês (coisa diferente é o inglês ser hoje língua franca);
- menosprezo do estudo da literatura de língua portuguesa (portuguesa, brasileira, africana) no ensino secundário;
- em geral, erros de gramática na construção do discurso indireto e ignorância do uso do conjuntivo após conjunções concessivas, do pretérito mais que imperfeito e das preposições.
Perante este panorama, fico espantado com a desatenção dos críticos do Acordo Ortográfico, em nome da pureza do português. Não seria mais curial e mais premente que os defensores do português (ou do português europeu) concentrassem as suas energias na reação contra os fenómenos acabados de descrever? Por maiores vícios que o Acordo Ortográfico tenha, ameaça muito menos a língua do que estes.»