«[…]
A demofobia, bem visível em todas as circunstâncias da prática democrática da governação e não apenas no momento das greves, mostra que aquilo a que chamamos democracia releva de uma profunda ambiguidade, que um lúcido filósofo italiano definiu nestes termos: ela é, por um lado, uma racionalidade político-jurídica e, por outro, uma racionalidade económico-governamental. O problema é que estas duas racionalidades se tornaram completamente heterogéneas, opostas, de tal modo que aquilo que política e juridicamente é legítimo e constitui a democracia acaba por ser negado no plano económico-governamental.* Num momento como o que vivemos, em que esta última é a regra e o critério de tudo, a democracia, como já todos percebemos, não passa de tagarelice.»
António Guerreiro | Expresso/Atual, 24.Mar.2012
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* Talvez por sobrestimar os seus leitores, António Guerreiro se tenha dispensado de informar que o lúcido filósofo italiano é Giorgio Agamben que, a dado passo deste livro, escreve:
«[…] Il sistema politico dell’occidente risulta dall’articolazione di due elementi eterogenei, che si legittimano e danno consistenza a vicenda: una razionalità politico–giuridica ed una razionalità governamentale, una ‘forma di costituzione’ e una ‘forma di governo’ […]»