«[…]
A aparência de um folclore inventado é alcançada com recurso a uma das técnicas de desfamiliarização mais antigas e fiáveis da literatura, uma técnica inventada por Montesquieu nas Cartas Persas, e que foi sendo apropriada até aos nossos dias por poetas da escola marciana de Craig Raine, autores de livros infantis, e críticos de televisão: adoptar a pose de um embaixador alienígena e escrever sobre aquilo que vemos todos os dias como se nunca o tivéssemos visto antes.
[…]
Marcus tem um claro fraquinho pela especificidade retórica da não-ficção: a prosa técnica, de manual escolar, com a sua falsa autoridade semântica, a sua capacidade para articular qualquer disparate sem embaraço. (Alguns parágrafos do livro são reciclagens de artigos de enciclopédia, com ligeiras mas letais alterações). Num dos glossários colocados no fim de cada secção encontramos a seguinte definição do acto de "comer": "Técnica de resgatar objectos, salvando-os da luz e colocando-os no interior. Uma vez dentro da cavidade, o objecto é permanentemente inscrito com as resoluções do corpo e pode assim ser considerado um aliado da pessoa".
[...]»
Rogério Casanova, “O Algoritmo de Ben Marcus”, sobre Ben Marcus e, em particular, The Age of Wire and String | Público/Ípsilon, 23.Mar.2012