segunda-feira, 2 de abril de 2012

Em louvor de Álvaro Domingues,

que muito merece.

Os ingleses «[…] sentem a cidade como um desvio, sentem o deslocamento com culpa, sentem a falsa nostalgia de uma relação simbiótica com a ‘terra’ - a terra que Ihes serve de sinédoque para tudo: pátria, antepassados, independência, simplicidade, autenticidade. Esta ilusão pastoral não é, como é óbvio, uma idiossincrasia britânica.
[…]
É essa romantização e essa dualidade que se pretende desconstruir em Vida no Campo (Dafne), o mais recente livro do geógrafo Álvaro Domingues.
Já a sua obra anterior - o maravilhoso A Rua da Estrada, de 2009 - partira de um impulso semelhante: dissolver as distinções teóricas redutoras entre centro urbano e subúrbio, entre rota e residência, ao demonstrar que a paisagem nacional já se encarregara de as dissolver na prática.
[…]
Álvaro Domingues serve como antídoto uma anti-promoção. Ao contrário da pitoresca campanha inglesa, que explica às pessoas que o rural pode matar, Vida no Campo vem explicar-nos que o rural já morreu, mas nunca foi enterrado.
[…]
Vida no Campo, um livro extravagantemente bem escrito
[…]
Sensivelmente a meio do livro, temos direito a quatro soberbas páginas daquilo que, à falta de melhor alternativa, apenas podemos chamar ‘Crítica de muros’ (deste outro muro pode dizer-se quase tudo o que se diz acerca de muros, salvo que o único material é o granito, etc).
A prosa de Álvaro Domingues padece de uma condição pouco comum na sua área: é original e terrivelmente apelativa - e teme-se que seja uma questão de tempo até o expulsarem da Ordem. Há boas razões profiláticas para que o estilo não seja uma prioridade em ciências sociais, e os perigos dessa abordagem estão aqui em plena evidência. Das páginas de Vida no Campo emerge inconfundivelmente uma personalidade (no sentido literário), que corre o risco de mobilizar a atenção do leitor com mais urgência do que o tema. O presente leitor, embora nunca se tenha permitido dispersar do objetivo, deu por si a anotar com mais entusiasmo os pequenos triunfos de prosa do que os pontos-chave na linha argumentativa. Por outras palavras, termina-se o livro com menos vontade de continuar a refletir sobre a vida no campo do que de continuar a ler Álvaro Domingues - e é uma questão de tempo até que a especialização do autor (que é, enfim, um geógrafo, e não o nosso escritor de estimação) comece a produzir ressentimentos pela monopolização que impõe aos seus consideráveis talentos. A esperança é de que se reforme em breve, e se retire para uma cidade que saiba ser cidade, longe dos diabólicos perigos rústicos do campo, para escrever o resto dos livros que queremos que ele escreva.*»
Rogério Casanova, “Portugal em campo”, sobre Vida no Campo, de Álvaro Domingues | LER – Abril de 2012
________________________
* Tenho saudades do tempo, 2002-2006, em que era pela crónica do Álvaro Domingues que abria o Público. Agora é pelo Miguel Esteves Cardoso mas não é o mesmo deleite.