quinta-feira, 31 de julho de 2014

«A inércia é preta», Deus uma treta

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João Magueijo [JM]- Quando se diz “caralho” é mesmo caralho, é a sério. Eu gosto do Pacheco [Luiz] e do Bocage.
[…]
A inércia é preta.
[…]
Clara Ferreira Alves [CFA]- Vamos falar do Large Hadron Collider.
JM- Foda-se!
CFA- Aquela alegoria da partícula de Deus deixa as pessoas intimidadas, como se a física tocasse em Deus.
JM- Eu chamo-lhe a partícula da Nossa Senhora da Agrela. Essa relação com Deus é uma estupidez. Eu sou ateu por razões que não têm nada a ver com física. E vice-versa. Usar a ciência para acreditar? O que o (Richard) Dawkins faz e o que os criacionistas fazem é a mesma coisa. Uns usam a ciência para justificar a crença e outros usam-na para justificar a não-crença. É igualmente estúpido. Mesmo que fosse provado cientificamente que Deus existe eu não acreditava em Deus. É uma ideia má, faz mal à saúde.
CFA- Isso é Dawkins. Já reparou no que a arte tinha perdido sem a religião? Não teríamos a pintura sacra, não teríamos a “Pietà” do Michelangelo, não teríamos...
JM- Não! É o contrário do Dawkins. Eles faziam isso, arte, e lá por trás estava um cão a foder. Pintavam os anjinhos porque era o que lhes pagavam. Nada a ver com os anjinhos.
CFA- Até o Bacon precisou de um Papa.
JM- Eu não falo contra a religião nesse sentido.
CFA- Falo da iconografia e não da fé. Esse é outro problema. A iconografia é esplêndida.
JM- Então e os requiens? O Lopes-Graça, um ateu total, fez um requiem às vítimas do fascismo! Nesse sentido, concordo plenamente. Não sou dogmático. Sei que isso abre as portas à arte. Eu sou ateu.
CFA- Foi sempre ateu? Teve catequese?
JM- Não. Houve fases. Tive e berrava à catequista. Mas o que digo tem a ver com a interacção entre crença e ciência. Uma não pode provar ou não provar a outra. Se se provasse que Deus existia eu continuava ateu porque Deus não resolve o problema ético do modo como nos relacionamos uns com os outros. Prefiro saber que no dia em que morrer é o fim, não há mais nada.
[…]
Eu quando digo que sou antiteísta quero dizer que se Deus existe é um grande filho da puta.
[…]»
Entrevista de Clara Ferreira Alves a João Magueijo, "João Magueijo – A Física é um mundo de doidos" | Expresso/Revista, 26.Jul.2014
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«A entrevista de Clara Ferreira Alves a João Magueijo, na Revista do Expresso de sábado passado, não é bem uma entrevista.
Quando se chega ao fim, percebe-se que aquilo não passa duma batalha verbal entre dois cabotinos.
Ela exibe-se formulando perguntas, que mais parecem orações de sapiência, em que consegue introduzir termos e nomes que todos os leitores do Expresso usam quando vão ao mercado comprar sardinhas. Por exemplo, Margate, englishness, understatement, Hawking (é uma obsessão), D. Afonso da Maia, stasis. E ainda encontra espaço para dizer que tem um aluno de doutoramento que é muçulmano*.
Ele vai respondendo com merda, caralho, foda-se ou cu, q.b.
A dado passo, abandonando fugazmente a ciência e o vernáculo, Clara pergunta − “o que lê quando está triste?”. Logo ali me pareceu que a pergunta estava quase, quase, ao nível da mais famosa pergunta da televisão portuguesa – “o que dizem os seus olhos?”, mas para melhor, claro.
Abreviando, e para quem não teve oportunidade de ler a entrevista, transcrevo uma pergunta/afirmação, e respectiva resposta, que resumem magistralmente o tom e conteúdo deste trabalho jornalístico:
- Vamos falar de Hadron Collider. (diz ela)
- Foda-se! (responde ele)
Um pouco de understatement até nem calhava aqui mal, pois não?!
Melhor calharia ainda sermos poupados a seis páginas de pornográfico exibicionismo de dois egos que se julgam a encarnação única da própria partícula de Deus.»
Maria de Jesus Lourinho, "Clara e João, combate de galácticos" | Blogue "1 Dia Atrás do Outro", 29.Jul.2014

Pelo que vou conhecendo de JM, não me atrevo, por enquanto, a chamar-lhe cabotino. O professor Magueijo integra a trupe de alentejanos sabidos, instruídos e bem-humorados, levemente caóticos, a que pertecem o óptimo Rui Cardoso Martins e o ferrabrás Luís Pedro Nunes, coetâneos. No caso de JM, acho-o, pobre de mim, bem mais do que sabido instruído.
Especialmente para Maria de Jesus Lourinho, ei-lo em 19 minutos sem palavrões, à conversa com Luís Gouveia Monteiro, jornalista nos antípodas do cabotinismo, em "O que fica do que passa", no Canal Q, 11.Jan.2013.

Cosmologicamente, toda esta boa gente, incluindo a cristã CFA, reverbera na galáxia das Produções Fictícias. Podia ser pior.
Mas sobrará sempre a possibilidade de não sabermos nada.
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* Também fui levado a pensar num muçulmano, aluno de doutoramento de CFA, ideia estapafúrdia [fosse um cristão, aluno pós-doc em aeronáutica, ainda vá que não vá…]. Há ali 3 linhas de negrito indevido — «Pode acreditar numa religião» —, a fazerem supor que é CFA que fala quando, na dita passagem, ainda é João Magueijo no uso da palavra. Analisando a conversa com mais cuidado, julgo que desde «É um mito.», na coluna à direita da página 6 da entrevista, até «dentro do Islão.», no topo esquerdo da página 7, é sempre o entrevistado a falar.