sábado, 5 de julho de 2014

Clara Ferreira Alves, porta-voz de Carlos Cruz

… e está no seu direito.
A jornalista Clara Ferreira Alves [CFA], que admiro moderadamente e em cuja opinião não raro me revejo, foi à cadeia conversar com um condenado por abuso sexual de menores: "Carlos Cruz - Eu perdi a cidadania| Expresso/Revista, 28.Jun.2014.

CFA faz questão em informar, talvez para sossego do leitor, que não conhecia pessoalmente o indivíduo. E só não nos recorda de que é amiga próxima de Ricardo Sá Fernandes, advogado de Carlos Cruz [CC]*, por muito provavelmente isso não ter nem jamais ter tido a mínima interferência no que ela acha desde sempre deste processo que e sobre que, como eu, leu pormenorizada e exaustivamente.
O 'caso Casa Pia' tira-a do sério; a mim também.

CFA pergunta, comenta, esclarece, delibera; CC anui, corrobora, reitera. E não se sai disto ao longo de 5 páginas de palratório em que, não fosse o negrito a distinguir entrevistadora de entrevistado, mal se perceberia quando fala ela e quando fala ele.

Um pormenor.
Diz CC, ou fá-lo CFA ter dito: «Tenho a consciência tranquila. Estou condenado por um crime de abuso sexual de menores e não por pedofilia […]»
Algum rigor, já agora: CC está condenado por dois crimes de abuso sexual de menores. Não é por nada, mas dois é o dobro de um.

Enfim,
«Uma entrevista que pretende demonstrar a visão da entrevistadora sobre determinado assunto (no caso, coincidente com a do entrevistado) não é bem uma entrevista: é um embuste.» - Ilídio Martins, jornalista, 03.Jul.2014
Concordo. 
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CC- «Os meus advogados são espectaculares. O Ricardo Sá Fernandes, que não conhecia, é hoje um amigo. E é um homem de causas.» CFA há-de sentir consolo - quem não sente? -  em que lhe falem assim dos amigos. 
CC- «Quando ele [Ricardo Sá Fernandes] teve a certeza absoluta da minha inocência […], viu a monstruosidade disto tudo.»
Ricardo Sá Fernandes não é apenas de causas. É também de certezas absolutas. Por exemplo, Camarate foi – ele tem a certeza absoluta – atentado.
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CFA- «Estou convencida, pela leitura do processo e do acórdão, de que não devia ter sido condenado.» - Expresso, 28.Jun.2014
Antes de chegar a esta convicção declarada, que não questiono, é curioso verificar como a jornalista veio nos últimos 4 anos, apesar de tudo e ainda que com mal dissimulada prudência, usando "ses" na retórica do seu ponto de vista:
CFA, excitadíssima- Sobre a Casa Pia, queria dizer que, retomando tudo o que já foi dito, que é um processo que assenta em prova testemunhal [cara de enjoo] numa falabilidade [sic] absoluta e que, sem querer de maneira nenhuma minorar o sofrimento das vítimas … As vítimas e as alegadas vítimas também se enganam às vezes nessa prova testemunhal; e repito apenas aquilo que o Daniel disse: "e se estiverem inocentes?" Há um princípio básico no Direito Penal; chama-se “in dubio, pro reo” [batendo, furiosa, com a mão na mesa]Se houver dúvida!, temos que absolver. Se houver dúvida, temos que absolver. E eu tenho muitas dúvidas neste 'caso Casa Pia', muitas dúvidas.

CFA- É evidente que seria muito bom que todos nós pudéssemos pensar que ele [Carlos Cruznão é a vítima de um monstruoso erro judiciário e que é culpado porque isso sossegaria as nossas consciências. Acontece que a minha consciência não está sossegada com a condenação de Carlos Cruz. E porquê? […] Eu fui ao site de Carlos Cruz e fui ver inconsistências. E estão lá as inconsistências para quem as quiser ler. Aquelas inconsistências preocupam-me. A fundamentação da acusação vem aí – atrasada, mas vem – e eu vou lê-la [o ar de CFA é o de quem ameaça que vai lê-la!]. Porque se Carlos Cruz de facto está inocente, então a seguir ao grandioso crime que foi esta rede pedófila que se aproveitou e abusou destes miúdos durante anos […], então há um segundo e monstruoso crime que é termos colectivamente condenado um inocente. É bom que o país pense sobre isto veramente em vez de fazer linchamentos apressados baseados em sentimentos, impressões e emoções. É evidente que estamos todos revoltados com o 'caso Casa Pia' e todos nos sentimos vagamente cúmplices […] de coisas que toda a gente sabia que se passavam e ninguém fez nada.

CFA- Como não é possível dar voz às centenas, milhares [esgar enfático] de pessoas provavelmente injusticiadas [sic]vítimas de erros judiciários, etc., de facto não é possível nem nunca vai ser possível… É bom que haja um caso que lance luz sobre as iniquidades no sistema. E se Carlos Cruz estiver a ser vítima de um erro judiciário e puder através disso ajudar a melhorar o sistema, ele será o porta-voz de todos aqueles que não podem, não puderam, não poderão fazer... […] Temos que ter algum equilíbrio no modo como analisamos as coisas. [Olha quem fala.]

. «O que aconteceu ao Carlos Cruz, se ele estiver inocente, é uma violação de direitos humanos. Acho admirável que ele não se tenha suicidado.»
A propósito,
CC- «Eu já tive uma grande depressão, já me zanguei com a vida. Carreguei a pistola, e não aconteceu porque um amigo evitou. […] Tinha 50 anos. Recuperei.» - Expresso, 28.Jun.2014

CFA, assanhada e ululante, expondo à câmara o livro "Inocente para além de qualquer dúvida", brandindo-o e propagandeando-o com veemência de megafone dos feirantes de banha-da-cobra- Queria falar deste livro, do Carlos Cruz, cujo julgamento está neste momento em recurso e a ser avaliado pelos tribunais, e é impossível — o livro tem o prefácio do Miguel Esteves Cardoso —, é impossível ler este livro sem ficar com enormes dúvidas, não sobre a inocência de Carlos Cruz, que essa tem sido a base de tudo isto, mas sobre a culpabilidade de Carlos Cruz. Este processo [CFA com ar de troça] não deixa qualquer dúvidas [sic] de que há dúvida sobre a culpabilidade de Carlos Cruz e há um princípio-base no Direito Penal: chama-se “in dubio, pro reo” —em caso de dúvida, absolve-se; em caso de dúvida, absolve-se. Não é um juízo subjectivo, é um juízo objectivo, é a base de todo o Direito Penal [CFA gesticula, sentenciosa]. Além de que, como dizia um amigo meu, não é só da liberdade de Carlos Cruz que estamos a tratar; é da nossa própria liberdade. Este processo é terrível. É dreyfusiano e deixa-me assustada. Que ele tenha sido conduzido, investigado e tenha chegado a este ponto deixa-me muito assustada sobre a democracia portuguesa e sobre as instituições de defesa em Portugal.

. «A ideia de que o Carlos Cruz possa estar inocente – aquela prova testemunhal não tem nenhuma fiabilidade – e foi sujeito a isto é repugnante e assustadora. A liberdade está acima da propriedade. Tem outras implicações filosóficas, ontológicas, éticas. Não estamos a falar de um pequeno negócio entre amigos, mas de valores fundamentais.»
- CFA à conversa com Anabela Mota Ribeiro, no Jornal de Negócios de 07.Dez.2012, disponibilizada na página de AMR em 11.Set.2013