Pelas 10 da noite de ontem, segunda, recebi uma sms a informar que o arlequim tinha «testado positivo», formulação discursiva horrível; «positivou» não seria melhor.
Quando Portugal atingia 489.293 casos de infecção desde o início da contagem (em português hodierno, “contabilização”) em Março de 2020, o de Marcelo Rebelo de Sousa haveria de ser suficientemente extraordinário e singular — tudo à volta de um arlequim é "féerie" — para merecer uma irrupção de «Última hora» nas televisões; na CMTV chamam-lhe «Alerta CM!»
Fiquei curioso em avaliar qual das quatro grandes tê-vês teria sido a primeira a dar a notícia e durante quanto tempo a manteriam classificada como de «última hora».
Fui à box e apurei.
A primeira foi a TVI, às 22h02. Manteve o oráculo de «última hora» até às 00h07 de hoje.
A segunda foi a RTP, às 22h04. Manteve o oráculo de «última hora» até às 00h03 de hoje.
A terceira e a quarta, ex aequo, foram a SIC e a CMTV, às 22h07. A SIC manteve o oráculo de «última hora» até às 00h47 de hoje.
A CMTV, que se gaba permanentemente de ser a «melhor» e a «primeira!» desta vez chegou cinco minutos depois da primeira; em contrapartida, às 01h30 de hoje mantinha a notícia em «alerta» e sei lá por quantos séculos a manterá. Julgo até que só por falta de espaço na pantalha não estão a dar ainda como «Alerta CM!» a notícia do nascimento do primeiro tiranossauro.
O mais interessante para mim foi confirmar a porfia, em nome da fixação e cloroformização da audiência, com que as televisões esticam até ao limite da insensatez o tamanho de um contexto temporal — «última hora» — que uma hora que durasse já seria demais. A RTP, que costuma ser a mais sóbria das quatro, fez render o peixe durante duas horas (!); a SIC, duas horas e 40 (!).
Precisamos de que McLuhan volte cá.
A RTP exibiu o tuíte em que António Costa diz «desejo-lhe votos sinceros de rápida e completa recuperação».
«desejo»/«votos»/«sinceros», todo um mundo semiológico que, além de pura gamártica, remete directamente para a "retórica dos melros" de que falei em tempos.
Aqui.