terça-feira, 2 de agosto de 2011

Gosto muito do Rogério Casanova

«A teia de formulações teóricas que foi crescendo à volta do aforismo de Cartier-Bresson sobre o “momento decisivo” acaba por soar apenas a um elaborado eufemismo para “ter um bocado de sorte”.»
"O ombro do teu cão" * | Público/Ípsilon, 06.Mai.2011 [Acerca da fotografia e sua crítica]

«um pé na gramática, um garfo nas moléculas e outras contas»
* Nunca saberei se o título é remoque a esta cena em que o João Bonifácio e o Camané ficaram muito mal ... na fotografia.

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«Ainda há quem goste que a sua merda, pelo menos, seja honesta.»
"Snakes on a room" | Público/Ípsilon, 20.Mai.2011 [acerca dos filmes “Snakes on a Plane”, mediocridade cinicamente planeada e “The Room”, monte de esterco não-adulterado]

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«O misterioso processo que ocorre quando talento e insucesso se entrecruzam só costuma gerar curiosidade quando o talento deixa provas tangíveis e o insucesso é uma orgia de auto-destruição. Pelos vestígios que restam, Desmond McCarthy era um homem feliz, que só não fez nada para nós porque estava demasiado entretido a fazer coisas para ele.»

O sempre magnífico Casanova desliza na "Costa da Caparica". É "de"; acontece aos melhores.

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Sobre A Estrada”, de Cormac McCarthy | LER - Livros & Leitores, Jun.2011


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«O verdadeiro pedante deve sempre colocar a si próprio a seguinte questão: esta mesquinhice que aqui detecto vai atingir o cânone no sítio onde dói mais? O pedante de carreira não se deve contentar com arraia-miúda. Idealmente, o alvo deve ser gigantesco, e a falha minúscula. (A caça ao mero erro ortográfico, já agora, é uma forma menor de pedantismo, e deve ser encarada como uma prática desviante).»

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«A correspondência entre a personalidade de um escritor e aquilo que ele escreve nunca é tão linear como alguns de nós (eu) se habituaram, infantilmente, a esperar. É possível que esta expectativa de uma coerência limpinha entre vida e obra seja um resquício distorcido de um ideal Romântico: o artista enquanto herói, o Byron que vive as suas epopeias antes de se sentar à escrivaninha. É uma expectativa perfeitamente natural - e perfeitamente errada. Na vida real em que aqui andamos, um criador de papões e assassinos em série pode muito bem ser um afável pai de família cujo passatempo mais subversivo é a partida de canasta ao Domingo; e os autores de pastorais bem-comportadas (como Wodehouse) podem ser os verdadeiros chanfrados.»
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Na LER de Julho de 2011:
«Reafirmo que a linguagem de Kerouac não me impressiona. É um registo de escrita que se extenua a fingir espontaneidade, mas que acaba por denunciar a sua própria artificialidade, pois insiste sempre em emoções que as necessidades (da frase, e do leitor) não justificam.»
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«A ideia que grande parte da prosa de Kerouac transmite é essa, a de música sem letra. A de uma prodigiosa maquinaria a funcionar em piloto automático, queimando o combustível usado de uma tradição retórica sem sair do mesmo sítio, com o escritor longe dos comandos, provavelmente embriagado num cantinho qualquer da sua máquina de escrever.»
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«Nas palavras imortais de Hugh Kenner, o que se faz com o mar é entrar por ele adentro; depois sai-se cá para fora, e essa é a utilidade do mar.
A praia em si – uma estrutura mais vasta que inclui o mar, mas não se esgota nele – permite actividades alternativas. Com o auxílio de rectângulos de pano, podemos deitar-nos sobre ela, por exemplo, expondo-nos à benéfica acção directa de raios ultravioletas durante o período de tempo estipulado como necessário para ficarmos mais giros, ou, dependendo em grande medida de circunstâncias prévias, mais absurdos.»

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«Não há motivos para alarme: é rapidamente verificável que “C” vem apetrechado com vários “cês”. Dividido em quatro secções (mais ou menos autónomas) intituladas “Caule”, “Chuto”, “Colisão” e “Chamada”, apresenta-nos ainda comunicação e catacumbas, criptas e criptografia, cópia e código, Carter e Carnavon, Cavafy e Cairo, cadáveres e cistos, coifas e cabos, cianeto e cocaína – e carbono (“o elemento básico da vida”). Esta exaustiva digressão mono-consonântica – além de configurar a rubrica da “Rua Sésamo” mais “hardcore” de sempre – fornece ainda um útil memorando temático, e as coordenadas para as expectativas do leitor.»
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«É um daqueles raros livros em que, literalmente, estamos todos de parabéns.»
Pinball Wizard” Público/Ípsilon, 08.Jul.2011, sobre "C", de Tom McCarthy

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«Apesar das dezenas de testemunhos contrários de ex-autarcas, jogadores de futebol e Nicolau Breyner, que passam a vida a garantir em entrevistas que “se pudesse voltar atrás, voltaria a fazer o mesmo”, a ideia de poder regressar ao passado para corrigir um erro deve ter apelo universal.»
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«Com sete mil dólares, meia-dúzia de actores amadores e nem um único efeito especial, “Primer” subverteu um dos tropos ficcionais mais conservadores, e criou algo que é simultaneamente um símbolo plausível de inferno individual (repetição infinita sem livre-arbítrio) e uma das mais inquietantes visões do apocalipse na ficção científica: o fim do mundo causado por dois engenheiros suburbanos capazes de viver o mesmo dia para sempre sem saberem o que estão a fazer.»
Repetição e Apocalipse| Público/Ípsilon, 15.Jul.2011, sobre "Primer", um obscuro filme independente