sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O erotismo e o medo

«tal como a carga erótica, o medo é um impulso universal que se fragmenta em inúmeras idiossincrasias no ponto de chegada. Ainda antes de chegarmos ao problema da qualidade de execução (e só neste aspecto, arriscaria que se fazem para aí uns cinco bons filmes de terror por década), há sempre uma medida mais limitada de sucesso que somos forçados a julgar: a eficácia com que o que se passa no ecrã opera no nosso restrito repositório pessoal de neuroses e fobias. A raridade é o filme que consegue o delicado acto de equilibrismo entre o que é universal (sem resvalar para o vago) e o que é pessoal (sem nos tentar impor fobias alheias).
[…]
“The Innocents” é uma das coisas mais perversas jamais filmadas, e há momentos em que o facto de o filme ter sido distribuído em 1961 parece tão inacreditável como uma aparição sobrenatural. A dada altura, um beijo de boas-noites entre Miss Giddens e Miles (que tem, supostamente, 12 anos) prolonga-se durante vários e incómodos segundos, mas a acumulação faz com que qualquer imagem ganhe uma aura de obscenidade: o cadáver de um pombo debaixo de uma almofada, um insecto a rastejar da boca de uma estátua, um pêndulo a embater ritmicamente contra uma janela, ao som de uma voz fantasmagórica a implorar “love me, love me!”.
“The Innocents” combinou as dificuldades de universalizar o erotismo e o medo e instrumentalizou-as a seu favor, apostando na inevitabilidade do primeiro em produzir incómodos para potenciar o incómodo do segundo. Em vez de tentar partilhar as suas idiossincrasias, usou-as para nos assustar. E, como qualquer pessoa com acesso à Internet pode verificar, poucas coisas conseguem ser mais assustadoras do que as fantasias eróticas de estranhos.»