segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O que os estrangeiros acham de nós

Outra suculenta peça, em prosa magnífica, do sociólogo Alberto Gonçalves.

«Se um escritor nacional de razoável prestígio resolvesse encher duzentas páginas de considerações acerca dos Estados Unidos ou da Alemanha, seria natural que poucos ou nenhuns americanos ou alemães sequer reparassem no esforço. Porém, qualquer viajante ou turista que após quinze dias no Douro ou um fim-de-semana em Albufeira tenha imortalizado a experiência em três parágrafos de uma reportagem vê os parágrafos esmiuçados à lupa pela “inteligência” indígena. Com sorte, cada parágrafo originará cinco de interpretações num semanário e, quem sabe, uma entrevista televisiva em horário nobre.
[…]
A avalanche censória e revisionista da correcção política, que nas décadas recentes passou a discriminar as pessoas por etnia, género e orientação sexual, encheu os currículos universitários ocidentais de estudos das minorias, dos negros ao feminismo, dos grupos LGBT aos adeptos do Belenenses.
Portugal em peso foi, avant la lettre, objecto dessa paixão “identitária”, responsável pela agregação dos indivíduos de acordo com os atributos percepcionados pelo exterior e totalitários na sua definição. Independentemente do que cada um de nós seja, o importante é que somos portugueses e que ser português implica isto, aquilo e aqueloutro. É-nos indiferente que nos chamem cosmopolitas ou rústicos, festivos ou lúgubres, românticos ou pragmáticos, apáticos ou desenrascados, caóticos ou organizados: o simples facto de nos chamarem alguma coisa, logo que genérica e irreformável, é sinal de que dão pela nossa existência e isso é o bastante e um consolo.»