Tiago Bartolomeu Costa- «Há uma poética da inocência, do prazer puro, ao longo destes sermões. Encontro essa apologia no Sermão da Montada e, em particular, nesta passagem: “Nota, Leocádia, que fornicamos à margem da moral: tanto da católica, que subordina as fodas à procriação, como da moral burguesa, que as subordina ao amor. Nós estamos fodendo intransitivamente, sem outro propósito que não seja foder”...»
Autor dos "Sermões"- «No meu caso, não se trata de procurar ser puro, trata-se de não conseguir evitá-lo. Julgo que o problema remonta à minha infância, pois soube desde muito cedo o que era o sofrimento: minha avó fazia criação de “pathos”. E o padecimento, como sabe, purifica. A mim, deixou-me mais puro do que gostaria, pois acredito que há uma única tentação na qual não devemos cair: a da santidade. Aquilo que toma por desejo de pureza é, na verdade, intenção de me livrar dela. Luto contra a minha própria natureza – e perco. Invejo aqueles rústicos que se dizem incapazes de exprimir através de palavras o que estão a sentir. Ora, eu só sei o que estou a sentir porque consigo exprimi-lo através de palavras. Eles são tomados por sentimentos inefáveis, cuja frágil pureza não suporta a tradução para as impuras palavras; eu exprimo-me exclusivamente através de palavras, o mais artificial e traiçoeiro dos recursos, e acrescento pureza ao que já era puro.
Oh, antinomias do caralho!
[…]
Agora, a revista “Ler” reclama ter feito investigação minuciosa e indesmentível e sustenta que eu sou mesmo Ricardo Araújo Pereira. Parece que, tal como eu, ele tem conhecimento de um livro intitulado Bíblia e sabe da existência de um escritor obscuro chamado Shakespeare. Que se há-de fazer? Enfim, não duvido que haja quem se gabe de ser o Pipi. Pelos vistos, eu sou o único que não o faz. A questão da identidade é menos interessante do que parece. Um nome não contribui em nada para definir alguém: hoje sou um homem que gosta de tetas grandes, mas amanhã posso ser um homem que gosta de tetas ainda maiores. Sou o mesmo homem? Posso ser designado pelo mesmo nome? Não sei, nem interessa. O que tenho feito é concentrar-me nas tetas, e deixar de lado a identidade – que não traria esclarecimento, mas confusão. Hegel escreveu que a identidade é a identidade da identidade e da não-identidade. Que quereria ele dizer com isso? Não faço ideia, ainda estou a pensar em tetas. E sou contra tudo o que possa desviar a atenção das tetas.»
“O evangelho segundo o nosso pipi” – Tiago Bartolomeu Costa à conversa, por email, com * Ricardo Araújo Pereira ** | Público/Ípsilon, 06.Jan.2012
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** Por via da presunção de inocência, como se fosse possível ao criador escapar da sua criação, advirto o leitor crédulo de que o troço semiótico delimitado por * e ** é da minha inclusiva desresponsabilidade, aproveitando para aduzir este delicioso e edificante excerto do "Sermão às Putas" em que o Miguel Guilherme faz de Miguel Guilherme e o Ricardo Araújo Pereira de ausência ressonante.