«No meio das cabriolices, reparei no meu avô descalço, deixei a brincadeira, e pedi-lhe para me deixar lavar-lhe os pés. Estranhou o pedido, mas anuiu com um sorriso. O sol aquecera a água, estava morna, peguei numa barra áspera de sabão azul e branco e lavei-lhe os pés. Primeiro um, depois outro, com vagar, como se fossem objectos frágeis. O meu avô agradeceu-me e deixou-se estar assim, de pés descalços descansando ao sol. Tirou o canivete do bolso e pôs-se a descascar um pêro. Olhando aquela pele muito branca, de porcelana, translúcida, uma pele delicada, virgem, macia, que contrastava com as unhas amarelas, grossas e torcidas, senti vontade de beijar os pés do meu avô. Se não o fiz, foi porque, já naquela altura, apesar da idade, me apercebi da inadequação daquele desejo.»