Caríssimo leitor, ora experimente ler devagar até ao primeiro ponto final, concatenando sujeitos, predicados e complementos que, garanto, fazem todo o sentido pese o risco de sufocação:
«Burhanuddin Rabbani, presidente do Alto Conselho da Paz afegão que morreu na terça-feira passada quando suposto emissário de confiança de chefes talibãs interessados em negociar com o Governo de Cabul acordo que permitisse a ambas as partes desenharem e aplicarem compromisso que tirasse o país da beira da guerra civil para a qual está constantemente a resvalar foi admitido em sua casa e levado à sua presença, fazendo explodir engenho mortífero que trazia escondido dentro do turbante no momento em que recebia saudações de boas-vindas, era figura conceituada da teologia sunita muçulmana, respeitado em centros de saber islâmico no Egipto (onde fizera os seus estudos de pós-graduação e se ligara muito à Irmandade Muçulmana), na Arábia Saudita, no Iraque, no Paquistão e no seu próprio país (aluno tão distinto que fora convidado para professor de lei e teologia islâmicas na universidade de Cabul aos 23 anos) mas será mais lembrado como homem de Estado do que como homem de Deus pois, desde antes da invasão soviética do Afeganistão em 1979, participara animadamente na luta pelo poder em Cabul havendo fugido para o Paquistão em 1974, protegido por estudantes que o ajudaram a ludibriar a polícia que o queria prender na faculdade, tivera papel muito importante na resistência à ocupação estrangeira e na vitória sobre os ocupantes e sua expulsão, entre peripécias com muitos altos e baixos chegara por duas vezes à Presidência da República – de 28 de Junho de 1992 a 27 de Setembro de 1996; de 13 de Novembro a 22 de Dezembro de 2001 – e, embora inimigo político do Presidente Hamid Karzai, chefiando o principal partido da oposição, fora por este convidado há quase um ano para presidir oficialmente ao Alto Conselho da Paz, pois era visto como incarnando a melhor esperança de se vir a conseguir um modus vivendi estável e duradouro entre as múltiplas tribos e facções afegãs – as quais nunca estão nem bem em paz nem bem em guerra umas com as outras e têm de ser tratadas com muito jeito por qualquer poder central que haja – aproximando-as do equilíbrio que ao longo de séculos o país muitas vezes conseguira quando entregue a si próprio.
[…]»
Apre!
Comparados com este, os períodos do professor Adriano Moreira soam a levitante minimalismo lacónico.
PS
José Cutileiro, honra lhe seja, escreve de acordo com a antiga ortografia, tudo indiciando, a bem das letras todas, que não tenha entrado ainda na menopausa.