«Os mais raros, surpreendentes e entusiasmantes exemplos de crítica literária são aqueles em que alguém regressa intrepidamente a algum hectare canónico esgotado e consegue colher algo de novo. Segundo este critério – e segundo muitos outros, na verdade –, um dos melhores ensaios críticos que conheço é “The Avoidance of Love”, do filósofo americano Stanley Cavell. Publicado em 1967, o ensaio não faz a coisa por menos: declara que, durante mais de três séculos, uma cena crucial na maior tragédia de Shakespeare andou a ser lida com os pés; e depois explica pacientemente porquê.
[…]
A proeza de Cavell foi esta: isolou e identificou um problema cuja existência muitos contornavam ou desconheciam; definiu-o em termos tão claros que o aceitamos sem hesitações; e propôs uma solução à qual nunca chegaríamos sozinhos, mas que se afigura imediata e imensamente satisfatória, e nos faz sentir melhores connosco e com o mundo. Um tríptico de milagres normalmente só ao alcance de cirurgiões plásticos, mecânicos de automóveis - ou críticos de elite.»
Rogério Casanova, “Lear recauchutado” | Público/Ípsilon, 09.Set.2011
O magnífico Casanova diz "despoletando" por "espoletando". Lá com ele.
O magnífico Casanova diz "despoletando" por "espoletando". Lá com ele.